O Papel Transformador da Enfermagem na Prevenção do Suicídio na Adolescência
O suicídio é um complexo fenômeno de saúde pública e uma das principais causas de mortalidade entre adolescentes no cenário global. A prevenção do suicídio exige um esforço integrado, que combine ações da atenção primária, dos serviços escolares e das redes de saúde mental, em uma abordagem que envolva múltiplos setores. Conforme dados da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2021), o suicídio representa uma das maiores causas de mortalidade para jovens, sendo o risco mais acentuado em países com renda baixa e média. No Brasil, essa realidade impõe um desafio crescente e destaca a necessidade premente de estratégias de cuidado integral, nas quais a enfermagem assume um papel central devido à sua proximidade com essa população. A adolescência constitui um período de intensa mutação biológica, emocional e social. Essa fase de transição, marcada por mudanças hormonais, pressões sociais, desafios escolares e familiares, pode desencadear um sofrimento psíquico significativo. A ideação suicida torna-se consideravelmente mais provável quando coexistentes múltiplos fatores de risco, incluindo transtornos mentais, histórico de violência, uso de substâncias e antecedentes familiares de suicídio (AVANCI et al., 2024). Nesse contexto, o olhar clínico e a escuta ativa do enfermeiro se manifestam como ferramentas primordiais na prevenção. A diminuição das tentativas e da ideação suicida em jovens é um impacto comprovado de programas escolares e universitários bem estruturados, enfatizando a necessidade de avaliações contínuas. (BREET et al., 2021; WALSH et al., 2022).
Um fator de risco emergente, mas com impacto devastador, é o cyberbullying (JAMA NETWORK OPEN, 2024; CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2024). A presença generalizada das redes sociais e das plataformas digitais expõe os jovens a uma forma de violência que transcende o espaço físico, alcançando-os de maneira persistente e invasiva. A vitimização por cyberbullying está fortemente associada a problemas de saúde mental, incluindo sintomas depressivos, tentativas de suicídio e suicídio propriamente dito Deste modo é crucial que as estratégias de intervenção abordem a alfabetização digital e a redução de danos associados ao uso da internet. Em estudo de Prince Peprah et al (2023) foi encontrado chances significativamente maiores de ideação suicida entre adolescentes que sofreram vitimização do cyberbullying do que aqueles que não sofreram vitimização do cyberbullying. O estudo conclui que fatores de proteção, como o apoio dos pais e o apoio dos pares, devem ser incentivados. Entre as ferramentas mais eficazes estão a educação em saúde e os treinamentos gatekeeper, ou “treinamento de guardiões”. Eles capacitam profissionais para reconhecer sinais de alerta, abordar o tema do suicídio de forma direta e encaminhar pessoas em risco para suporte especializado (KHADKA et al., 2025; LIU, H. et al., 2025). No Brasil, em Ribeiro (2021) o programa QPR (Questionar, Persuadir, Encaminhar) é um exemplo dessa prática, permitindo que os profissionais: 1) Questionem- Façam perguntas diretas sobre pensamentos suicidas; 2) Persuadam- Estimulem a aceitação de ajuda e reforcem a importância da vida; e 3) Encaminhem- Conectem a pessoa a serviços de saúde mental. Para a enfermagem, o papel é estratégico: profissionais em Unidades Básicas de Saúde, serviços escolares e emergência são pontos de triagem, escuta ativa e articulação com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), instituída pela Portaria GM/MS nº 3.088/2011 (BRASIL, 2011). A enfermagem detém uma posição privilegiada para essa identificação precoce, pois estabelece um vínculo único com adolescentes e suas famílias. O enfermeiro, ao identificar sinais de risco, deve articular a assistência com os dispositivos da RAPS (BRASIL, 2022). A literatura nacional indica lacunas na formação continuada e a necessidade de protocolos locais para acolhimento e encaminhamento de adolescentes com ideação suicida (PESSOA et al., 2020). O fortalecimento da sua formação é um investimento crucial, pois a enfermagem não é apenas uma profissão; é um farol de cuidado em tempos de escuridão. Diante de adolescentes que navegam por mares de tempestade, muitas das vezes virtuais, o enfermeiro surge como a mão que se estende, o ouvido que escuta e o coração que compreende, transformando o silêncio do desespero em um sussurro de esperança. Vieira et al (2024) concluíram que ações educacionais realizadas por universitários são essenciais tanto para os participantes quanto para os acadêmicos, pelo fato de abordar questões corriqueiras relacionadas com o público adolescente, o que facilita a interação entre eles, gerando troca valiosa de saberes. Deste modo, implementar e valorizar atividades sobre o tema na universidade é de suma importância. No fim, a prevenção do suicídio se apoia em gestos humanos simples, mas poderosos: um olhar atento, uma palavra de acolhimento, uma escuta verdadeira. Fortalecer a enfermagem é fortalecer a própria vida, oferecendo cuidado, empatia e humanidade que protegem e constroem o futuro dos jovens.
Sobre a autora
Elaine Antunes Cortez é doutora em Enfermagem, Professora Associada da Escola de Enfermagem da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde atua na graduação e pós-graduação.Sua pesquisa e projetos se concentram na área de promoção da saúde mental de estudantes e trabalhadores, sendo referência na área de saúde mental.
